EMOÇÃO E CORPO NA MUSICOTERAPIA VOCAL

compreendendo as dimensões física e emocional no trabalho da musicoterapia vocal

Camila Ferrari

10/6/20243 min read

musicoterapia brasília
musicoterapia brasília

   Podemos entender a voz por meio do estudo sobre seu funcionamento físico, analisando todos os componentes do aparelho fonador que atuam harmonicamente para promover a emissão sonora. Um exemplo de leitura terapêutica que pode ser feita acerca dessa perspectiva é refletir sobre como o mau funcionamento do aparelho fonador e a presença de tensões musculares e respiratórias podem causar uma limitação na expressão sonora de um indivíduo. Partindo desta investigação pode-se refletir sobre como essas tensões musculares e respiratórias podem estar relacionadas com certos bloqueios emocionais, que também dificultam a expressão e comunicação do sujeito. Neste exemplo constatamos a inegável conexão entre voz e corpo, ao observarmos como as configurações corporais específicas afetam o funcionamento da voz. Por outro lado, também é possível pensar sobre os efeitos que a própria expressão vocal tem sobre o funcionamento do corpo, mente e emoções. Nessa perspectiva, Millecco et al. (2001, p. 66) diz que o ato de cantar pode afetar nosso corpo tanto objetivamente quanto subjetivamente: objetivamente pela influência física que o canto exerce nas nossas células e sistemas e, subjetivamente, pela influência que cantar tem sobre processos emocionais. Para exemplificar o nível objetivo, esse autor cita Marly Chagas que afirma que “a vibração da voz faz vibrar o corpo”, sendo “uma massagem vibratória, de dentro para fora, a partir do próprio sujeito (CHAGAS apud MILLECCO et al., 2001, p. 86). Este fenômeno e suas dimensões objetivas e subjetivas também são observados por Austin (2008), como podemos ver a seguir:

"Quando cantamos, produzimos vibrações que nutrem o corpo e massageiam o nosso interior (Keyes 1973). As vibrações de ressonância interna rompem e liberam bloqueios de energia, libertando sentimentos e permitindo um fluxo natural de vitalidade e um estado de equilíbrio que regressa ao corpo." (AUSTIN, 2008, p. 20)

    No trecho citado, apreendemos que Austin relaciona os efeitos que a vibração da voz tem sobre o corpo físico, ao estimular a liberação de sentimentos e o restabelecer a vitalidade e equilíbrio corporais. Desta forma, a autora nos leva a compreender que há uma conexão direta entre os sons vocais, os processos físicos e os processos emocionais. A voz que vibra no corpo internamente facilita a mobilização de bloqueios energéticos físicos e, assim, permite o fluir de sentimentos que antes estavam retidos. Trazendo uma perspectiva complementar a essa, Godetti (2018, p. 26) chama atenção para o fato de que “a musculatura vocal é um instrumento altamente sensível de ser afetado pelas mudanças de estado afetivo”, explicando um outro viés acerca da conexão da musculatura vocal com as emoções.

    Segundo Austin (2008, p. 20), o processo vibratório interno provocado pela voz permite que entremos em contato com nossos corpos e facilita a expressão de nossas emoções. Disso inferimos que utilizar a voz num contexto terapêutico pode auxiliar no aumento da consciência corporal e emocional o que podem ser objetivos bastante almejados, a depender das demandas clínicas de um paciente. A autora também destaca a importância do efeito vibratório vocal num nível externo ao indivíduo, já que este fenômeno pode ajudá-lo no processo de se conectar com outras pessoas a partir de seus sons vocais (2008, p.20). Assim, entendemos que o trabalho vocal terapêutico influencia também no âmbito relacional, sendo de grande auxílio para pacientes que têm desafios interpessoais.

    Ao entender como a voz se relaciona com os processos físicos e emocionais, trazendo benefícios únicos nestas esferas do ser, é natural identificar o local de singularidade que ela ocupa como meio de expressão musical terapêutico. Evidentemente, também é possível observar benefícios similares em abordagens em que se utilizam apenas instrumentos musicais. No entanto, pelo fato da voz ser produzida a partir do próprio corpo, vibrando neste próprio corpo, é inegável reconhecer que a musicoterapia vocal também pode trazer benefícios terapêuticos únicos. Ainda com Austin, observamos essa singularidade de se utilizar a voz: "Quando cantamos, as nossas vozes e corpos são os instrumentos. Estamos intimamente conectados com a fonte do som. Nó fazemos a música, estamos imersos na música, somos a música" (AUSTIN, 2008, p.20).

    Ao cantar, falar ou entoar um som, existe uma proximidade intrínseca dessas ações com o nosso corpo, com nossas características individuais e com a percepção de quem somos. Quem utiliza a voz é, ao mesmo tempo, agente do som, meio pelo qual o som é produzido e produto sonoro.